"Ninguém nasce com talento. O talento educa-se como outra coisa qualquer. Há pessoas que não sabem fazer nada porque têm falta de cultura ambicional. Eu não sei se é assim que se escreve, se existe esta cultura ambicional, mas para os devidos efeitos, isto foi inventado agorinha mesmo. O que quero mesmo dizer, é que não existindo ambição, não existirá talento. Vivemos num país onde a grande maioria das pessoas justifica a sua actividade, como se isso fosse uma penosa fatalidade. Pergunte-se: "Então, senhor Joaquim, tem trabalhado muito?" E é certinho que este nos responde: "Pois, tem que ser". É uma pena que trabalhar seja uma coisa que tem que ser. E se é certo que ajuda fazer aquilo que gostamos, fazer aquilo que não gostamos não tem que ser obrigatoriamente porque tem que ser. Podemos ser os melhores a fazer aquilo que gostamos, mais mais admirável do que isso, é sermos os melhores a fazer aquilo que não gostamos. Reparem só, eu gosto de escrever para este jornal, mas se tivesse que trabalhar no MCdonalds, mesmo não percebendo nada de restauração, eu queria ser o funcionário do mês. Com fotografia e tudo. Mas não, não podemos comer só o que queremos. Por vezes, tempos que sorver a sopa toda e o peixe cozido que é o que há. Pois bem, daqui se conclui - e reparem na grande moral - que temos de viver com os nossos defeitos e fazer deles características distintivas. Das nossas inabilidades, singularidades comentadas. Dos nossos azares, o melhor que nos podia ter acontecido. E o talento aparece aí, na forma inventiva, como conseguimos disfarçar que a comida é de ontem. O talento por si só, de nada serve."
Fernando Alvim in Jornal Metro, 2010.09.29.
1 comentário:
Alvim... és grande pá!
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