segunda-feira, 3 de junho de 2013

Pode ser

"Os melhores restaurantes são os restaurantes "pode ser". Há peixes do mar que, à parte serem cozinhados à moda da casa, com ou sem originalidade, também podem ser cozidos, grelhados, fritos ou servidos numa salada. 

Estes restaurantes estão abertos às vontades dos clientes. Violam com estimável promiscuidade o receituário. Nisto, até se parecem com os restaurantes fechados, em que os pratos têm de ser tal e qual o chefe os concebeu e não admitem interferência dos cliente: não há nada que não estejam dispostos a fazer, se preciso for.

Um grande amigo meu odeia coentros. Prefere as amêijoas à Bolhão Pato com salsa. É uma barbaridade, mas nos restaurantes que frequentamos, que são os "pode ser" e os "porque não?" nunca levantaram uma sobrancelha. 

Os McDonalds e os restaurantes de autor são mais parecidos do que pensam. Não têm margem de manobra. O cliente não pode pedir nem sugerir nem arriscar a ver se pega. Apenas pode escolher. Pouco ou nada, como nos hediondos menus de degustação - felizmente já fora de moda -, em que se é reduzido a consumidor passivo, instruído a obedecer.

Um restaurante "pode ser" partilha a incerteza de quem lá vai comer. Sabe lá o que nos apetece. Nós também não. Os cozinheiros são hábeis e os empregados estão habituados à variedade das manias humanas. 

Somos mimados mal nos sentamos. Partilham connosco a angústia do que é que há-de ser. Entram no fingimento de nem sequer termos fomes. São nossos cúmplices. E pares."

O meu texto preferido do livro "Como é Linda a Puta da Vida" de Miguel Esteves Cardoso.

P.

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